Mestrado
ALMANAQUE EXP. 01 ou Notas sobre o mito civilizatório da modernidade: sujeito, cidade e erótica nas Américas
Leonardo Vieira de Souza
O “homem nu” também narra os detalhes estruturais dos mitos ameríndios – do alimento em estado cru ao homem desprovido de vestimenta – demonstrando, assim, que “a terra do mito é redonda” e, além disso, “oca” (LÉVI-STRAUSS, 2014, p. 343), este “novo homem moderno” (CARVALHO, 1930) das Américas, despido de todos os seus preconceitos culturais e civilizatórios, que reconhece a grandeza de um pensamento não civilizado e segue a proposta da vida como devoração, nos aproxima, também, à “essa [outra] forma de pensar moderna crítica, que já questionava uma ideia de progresso inelutável, o tecnicismo, os excessos funcionalistas e racionalistas, o formalismo e, sobretudo, o purismo, é também profundamente tributária dessa outra forma de pensar […]” (JACQUES, 2021, p. 26) cidades e urbanismos. “A descoberta do Novo Mundo veio trazer a tona ao panorama da cultura européia um desmentido paradisíaco. O ecumênico cristão caía de um golpe. Do outro lado da terra – que era redonda e não chata e parada, com céu em cima e inferno embaixo – havia gente que escapava por completo ao esquema valetudinário da Idade Média […]. O branco que se chamou de civilizado, insistiu em padronizar a sua ‘superioridade’”. […] (ANDRADE, 1970,p. 189-190)
“Ignoramos ou conhecemos mal o fato de que a constituição e a autorização de um discurso fundador de espaço é recente e ocidental. Sua disseminação era inevitável desde que, à mercê da revolução industrial, o padrão cultural do ocidente se impunha, de bom ou mau grado. Pois, somente a partir da segunda metade do século XIX é que o discurso fundador do espaço enunciou suas pretensões científicas e designou seu campo de aplicação com o termo urbanismo; este termo, na verdade, foi criado, e definia a vocação da “nova ciência urbanizadora”, em 1867 por [Ildefonso] Cerdà.” (CHOAY, 1985, p. 03) Diferentemente das cidades europeias, os territórios americanos já eram narrados enquanto tábula rasa desde quando “conquistados”, ou, sendo mais honesto com os acontecimentos, quando invadidos pelas grandes navegações europeias do século XVI e a presença colonizadora pontilhou a costa Atlântica das Américas e fixou-se de modo permanente em seus territórios.
As cidades fundadas nas Américas ao longo do processo de colonização eram mais do que espaços de ausência, eram a síntese de um projeto dialético entre a ideia de cidade na Europa e as condições de vida no então “Novo Mundo” (MORSE, 1990). As regiões e culturas encontradas foram consideradas oportunas para exploração massiva e inédita até então. Tais operações demonstravam-se salvaguardadas por um projeto civilizatório de progresso empreendido pelas nações europeias colonizadoras (JACQUES et al, 2019). A invenção de um “Novo Mundo” (O’GORMAN, 1992) nas Américas constituiu imensos impérios de uma empresa colonizadora e comercial com séculos de duração, que resultou na fragmentação de países dispostos em um continente enorme e diversificado, cuja extensão supera várias vezes a dimensão da Europa – o “Velho Mundo”. Este jogo se evidencia nas disputas por noções, como “Pan-América”, “América” ou “América Latina”, mais recentemente, e na constituição do campo disciplinar em urbanismo nas Américas.
Referências
ANDRADE, Oswald de. Obras completas IV – Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias: Manifestos, teses de concursos e ensaios. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1970.
CARVALHO, Flávio de. A Cidade do Homem Nu. Publicado no Jornal Diário da Noite, São Paulo, 1930.
CHOAY, Françoise. O preconceito das palavras. In: ___. A regra e o modelo. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 1-13.
JACQUES, Paola Berenstein. et al. Fazer por desvios – Nebulosas do Pensamento Urbanístico em torno do moderno, do popular e da participação: modos de fazer mutantes, errantes, desviantes. In: JACQUES, Paola Berenstein; PEREIRA, Margareth da Silva (org.). Nebulosas do pensamento urbanístico. – Tomo II – Modos de Fazer. – Salvador: EDUFBA, 2019.
JACQUES, Paola Berenstein. Pensamentos selvagens: montagem de uma outra herança. v.2. Salvador: EDUFBA, 2021.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O homem nu (Mitológicas v. 4). São Paulo: Cosac Naify, 2014.
MORSE, Richard. “El desarrollo urbano em la Hispanoamérica Colonial”, In BETHELL, Leslie (ed.), Historia de América Latina. Tomo 1 América Latina Colonial: La América Precolombina y La Conquista. Editorial Crítica: Barcelona, 1990.
O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América: reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.
Palavras-chave: Eurocentrismo. Colonialidades. Américas. Mundos. Urbanismos.
ORIENTADORA
Paola Berenstein Jacques
PERÍODO
2023-Atual